Um Alimento Milenar:
“O início do Bacalhau com os Espanhóis e os Vikings”
“Bacalhau” para os povos de “língua portuguesa” ; “Stockfish” para os “anglo-saxônicos” ; “Torsk” para os “dinamarqueses” ; “Baccalà” para os “italianos” ; “Bacalao” para os “espanhóis” ; “Morue Cabillaud” para os “franceses” ; “Codfish” para os “ingleses” . “O nome bacalhau, de acordo com o Dicionário Universal da Língua Portuguesa, tem origem no latim baccalaureu” .
Mundialmente apreciado, “a história do bacalhau é milenar” . Existem registros de existirem “fábricas para processamento do Bacalhau” na “Islândia” e na “Noruega” no Século IX. Os “Vikings” são considerados os pioneiros na descoberta do “cod gadus morhua”, espécie que era farta nos mares que navegavam. Como não tinham sal, apenas “secavam o peixe ao ar livre” , até que perdesse quase a quinta parte de seu peso e endurecesse como uma “tábua de madeira” , para ser consumido aos pedaços nas longas viagens que faziam pelos “oceanos” .
Mas deve-se aos “bascos, povo que habitava as duas vertentes dos Pirineus Ocidentais” , do lado da “Espanha” e da “França” , o “comércio do bacalhau” . Os bascos conheciam o “sal” e existem registros de que já no ano 1000, “realizavam o comércio do bacalhau curado, salgado e seco” . Foi na costa da Espanha, portanto, que “o bacalhau começou a ser salgado e depois seco nas rochas” , ao ar livre, para que o “peixe” fosse melhor conservado.
As Guerras do Bacalhau
“O bacalhau foi uma revolução na alimentação” , porque na época “os alimentos estragavam pela precária conservação” e tinham sua comercialização limitada ( a “geladeira” surgiu no século XX). O método de salgar e secar o alimento, além de garantir a sua perfeita conservação mantinha todos os “nutrientes“ e apurava o “paladar” . A “carne do bacalhau” ainda facilitava a sua conservação salgada e seca, devido ao baixíssimo teor de gordura e à “alta concentração de proteínas” .
Um produto de tamanho valor sempre despertou o interesse comercial dos países com frotas pesqueiras. “Em 1510, Portugal e Inglaterra firmaram um acordo contra a França” . Em 1532, o “controle da pesca do bacalhau na Islândia” deflagrou um “conflito entre ingleses e alemães” conhecido como as "Guerras do Bacalhau". Em 1585, outro grande conflito envolveu ingleses e espanhóis.
Por isso, ao longo dos séculos, várias legislações e tratados internacionais foram assinados para regular os “direitos de pesca e comercialização” do tão cobiçado “pescado” . Atualmente, com a “espécie ameaçada de extinção” em vários países, como o Canadá, tratados internacionais de controle da pesca estão sendo revistos, com o objetivo de assegurar a reprodução e a preservação do "Príncipe dos Mares" .
A industrialização na Noruega
“Foi o mercador holandês Yapes Ypess que fundou a primeira indústria de transformação na Noruega” e é considerado o pioneiro na “industrialização do peixe” .
A partir daí, a crescente demanda na “Europa” , “América” e “África” foi aumentando o número de “barcos pesqueiros” e de pequenas e médias indústrias pela “costa norueguesa” , transformando a “Noruega” no “principal pólo mundial de pesca e exportação do bacalhau” .
"Se o bacalhau nos abandonar, a que nos agarraremos? O que levaremos a Bergen para trocar por ouro?
Peter Daas, Trumpet of Nordland, Noruega, 1735”
Portugal e o fiel amigo
“Devemos aos portugueses o reconhecimento por terem sido os primeiros a introduzir, na alimentação, este peixe precioso” , universalmente conhecido e apreciado. “Auguste Escoffier, chef-de-cuisine francês, 1903”
“Os portugueses descobriram o bacalhau” no século XV, na época das grandes navegações. Precisavam de produtos que não fossem perecíveis, que suportassem as longas viagens, que levavam às vezes mais de 3 meses de travessia pelo “Atlântico” .
Fizeram tentativas com vários “peixes da costa portuguesa” , mas foram encontrar o peixe ideal perto do “Pólo Norte” . “Foram os portugueses os primeiros a ir pescar o bacalhau na Terra Nova” ( “Canadá” ), que foi descoberta em 1497. Existem registros de que em 1508 “o bacalhau correspondia a 10% do pescado comercializado em Portugal” .
Já em 1596, “no reinado de Dom Manuel, se mandava cobrar o dízimo da pescaria da Terra Nova nos portos de Entre Douro e Minho” . Também pescavam o bacalhau na “costa da África” .
O bacalhau foi imediatamente incorporado aos “hábitos alimentares” e é até hoje uma de suas principais tradições. “Os portugueses se tornaram os maiores consumidores de bacalhau do mundo” , chamado por eles carinhosamente de ”fiel amigo". Este termo carinhoso dá bem uma idéia do “papel do bacalhau na alimentação dos portugueses” .
“Os meus romances, no fundo, são franceses, como eu sou, em quase tudo, um francês – excepto num certo fundo sincero de tristeza lírica que é uma característica portuguesa, num gosto depravado pelo fadinho, e no justo amor do bacalhau de cebolada!”
“Eça de Queiroz” ( carta a Oliveira Martins )
A Pesca do Bacalhau em Portugal
“O bacalhau chegava a Portugal de várias formas” . Até o meio do século XX, os próprios portugueses aventuravam-se pelos perigosos mares da Terra Nova, no Canadá, para a “pesca do bacalhau” .
“Nos finais do séc. XIX, as embarcações portuguesas enviadas à pesca do Bacalhau eram de madeira e à vela, sendo praticada a pesca à linha. Tratava-se de uma prática muito trabalhosa, apenas rentável em regiões onde abundava o peixe. Este tipo de pesca era praticado a partir dos dóri: pequenas embarcações de fundo chato e tabuado rincado, introduzidas em Portugal nos finais do século passado” . ( Extraído de Apontamentos Etnográficos de Aveiros - Universidade de Aveiros - http://www.dlc.ua.pt/etnografia).
O artigo de Teresa Reis, sobre a Pesca do Bacalhau, retrata um pouco desta aventura:
"Na pesca do bacalhau, tudo era duplamente complicado. Maus tratos, má comida, má dormida...Trabalhavam vinte horas, com quatro horas de descanso e isto, durante seis meses. A fragilidade das embarcações ameaçava a vida dos tripulantes" dizia Mário Neto, um pescador que viveu estes episódios e pode falar deles com conhecimento de causa.
Quando chegava à Terra Nova ou “Groenlândia” , o “navio” ancorava e largava os botes. Os pescadores saíam do navio às quatro da manhã e só regressavam à mesma hora do dia seguinte, com ou sem peixe e uma mínima refeição: “chá” num termo, “pão” e “peixe frito” . No navio, o bacalhau era preparado até às duas ou três da manhã. Às cinco ou seis horas retomava-se a mesma faina. Isto, dias e dias a fio, rodeados apenas de mar e céu. ... Vidas duras...!"
Nos dias atuais, “Portugal importa praticamente todo o bacalhau salgado e seco que consome” . Também importa muito bacalhau verde, que é salgado e curado nas próprias “indústrias portuguesas” , como a “Riberalves“ ,localizada em “Torres Vedras” .
O começo do bacalhau no Brasil
“O hábito de comer bacalhau veio para o Brasil com os portugueses” , já na época do descobrimento. Mas foi com a vinda da “corte portuguesa” , no início do século XIX, que este hábito alimentar começou a se difundir. Data dessa época “a primeira exportação oficial de bacalhau da Noruega para o Brasil, que aconteceu em 1843” .
Na edição do “Jornal do Brasil” de 1891 está registrado que os intelectuais da época, liderados por “Machado de Assis” , reuniam-se todos os domingos em “restaurantes” do centro do “Rio de Janeiro” para comer um autêntico "Bacalhau do Porto" e discutir os problemas brasileiros. Mais de um século depois, ainda são muito comuns nos restaurantes especializados em "almoços executivos", onde a conversa sobre “negócios” é feita saboreando um bom bacalhau.
A tradição popular do bacalhau.
“Durante muitos anos o bacalhau foi um alimento barato” , sempre presente nas mesas das camadas populares. “Era comum nas casas brasileiras o bacalhau servido às sextas-feiras, dias santos e festas familiares” .
Após a “2ª Guerra Mundial” , com a escassez de alimentos em toda a Europa, “o preço do bacalhau aumentou” , restringindo o consumo popular. Ao longo dos anos foi mudando o “perfil do consumidor do bacalhau” , e o “consumo popular do peixe” se concentrou, principalmente, nas “principais festas cristãs: a Páscoa e o Natal” .
Atualmente, “o bacalhau está totalmente incorporado à cultura culinária brasileira” . Todos os bons restaurantes oferecem em sua carta o “nobre pescado” , e o “bolinho de bacalhau é a preferencia nacional nos bares e botequins” Como em Portugal, também desperta paixões e inspira famosos escritores.
"Gosto de bacalhau seco, compacto. Sempre esqueço que é um peixe que singrou outrora os mares até cair nas malhas e na ganância dos pescadores. Presente raro dos deuses, o bacalhau, para mim, nasceu simplesmente salgado, sempre em postas e, neste estado, graças ao engenho humano, é levado à mesa e entregue à sanha de nossa gula." Nélida Piñon, Brasil, 1996
A tradição religiosa do Bacalhau na Páscoa e no Natal
A “Igreja Católica” , na época da “Idade Média” , mantinha um rigoroso calendário onde os “cristãos” deveriam obedecer os dias de “jejum” , excluindo de sua “dieta alimentar” as carnes consideradas quentes. “O bacalhau era uma comida fria e seu consumo era incentivado pelos comerciantes nos dias de jejum” . Com isso, passou a ter forte identificação com a religiosidade e a “cultura do povo português” .
Conforme relatam os autores do livro "O Bacalhau na Vida e na Cultura dos Portugueses":
O número de dias de jejum e abstinência a que se sujeitavam anualmente os portugueses era considerável, não se limitando ao período da “Quaresma” , a época do ano em que “o bacalhau era rei à mesa” . Segundo Carlos Veloso, durante mais de um terço do ano não se podia comer carne. Assim era na “Quarta-Feira de Cinzas” e todas as Sextas e Sábados da Quaresma, nas Quartas, Sextas e Sábados das Têmperas, nas vésperas do “Pentecostes” , da Assunção, de Todos-os-Santos e do dia de “Natal” e ainda nos dias de simples abstinência, ou seja, todas as Sextas-Feiras do ano não coincidentes com dias enumerados para as solenidades, “os restantes dias da Quaresma, a Circuncisão, a Imaculada Conceição, a Bem-Aventurada Virgem Maria e os Santos Apóstolos Pedro e Paulo” .
O rigoroso “calendário de jejum” foi aos poucos sendo desfeito, mas a “tradição do bacalhau se mantém forte nos países de língua portuguesa” até os dias de hoje, “principalmente no Natal e na Páscoa” , as datas mais expressivas da “religião católica” , onde se comemoram o “Nascimento e a Ressurreição de Cristo” . receitas de bacalhau Bacalhoada
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